quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Doença


Queria que fosses meu confessionário, por agora. Sei que não ouves, não vês, não lês nem escreves, embora sintas. E o que sentes é a vontade de ouvir o que te pode ensurdecer, ver o que te podia tornar pedra, ler a descrição do teu desejo escrita por minha mão, escrever com liberdade aquilo que me farias se não tivesses as mãos atadas e o coração envolto em arame farpado. Não ouves, eu sei e respeito. Mas então, por agora, sente.


Eu estou fechado. Vendado. Atado. Tenho uma meia vermelha na boca e uma corda na garganta. Por ti. Quero gritar sem som como consegui tantas vezes antes, mas tu és diferente. Contigo, tenho a certeza que gritaria bem alto, destruiria os pulmões, quiçá morreria. Porque a sensação é horrível. Querer tocar, mas não conseguir tocar em mais ninguém senão a ti, e não te poder tocar. As mãos estão suadas, e eu esfrego-as, e esfrego-as, e firo-as. Querer gostar de outra pessoa que não tu, mas só gostar de ti, e não poder gostar de ti. A alma ciranda pelos cantos da mente, às cabeçadas na parede.


Nos meus sonhos, vive um pássaro com o piar mais lindo do mundo, com as asas fortes e resistentes, o suficiente para, pelo menos, chegar a casa. Mas está engaiolado. E não canta. E não voa. E, ao lado, sento-me eu, numa cadeira de baloiço que já abriu buracos no chão de tanto baloiçar. E fixo o pássaro, fico com os olhos embaciados, cheios de água e sangue, e decido levantar-me para o libertar. Não consigo. Olho para baixo. Tenho uma lança no peito, que me trespassa o coração e sai pelas costas da cadeira. E agora? Como saio?


Quero que abras a tua gaiola, a tua boca, e especialmente os teus lábios. Quero que me trespasses, desde que depois me retires a lança do peito. Quero que abras as portas e arejes a mente. Eu estou á tua espera para fazer o mesmo deste lado. Sei que consegues. Afinal, quanto tempo mais vamos fechar-nos longe um do outro, se o jardim lá fora é nosso, e ambos sofremos de um caso raro de claustrofobia?



Pedro Antunes


"A nightingale in a golden cage
That's me locked inside reality's maze

Come someone make my heavy heart light
Come undone bring me back to life"

(Nightwish - The Escapist)

3 comentários:

Maggie disse...

De modo geral gostei do texto, mas acho que tem informação a mais..

É só uma questão de cortar algumas coisitas que só servem para encher e por bonito.. et voilà.

Pseudónima disse...

Olha, filhe... seres o maior da nossa aldeia! xD

Tenho saudades. Beijinho.

Kamon disse...

wow