quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Menina Potter

(Fotografia de Beatrix Potter, autor desconhecido)


Existiu a Beatriz. Havia quem a distinguisse por haver nascido já com cabelos grisalhos e com os joelhos ofendidos com o já vivido. Ria muito, ria à gente, com o mundo, sozinha. Ria quando lhe apetecia rir e quando queria chorar, ria mais e fazia rir. Mas o que mais a tornava ela era a forma de caminhar: quase sempre a correr, sem relógio disponível que lhe impusesse algum tipo de ordem nos tornozelos. Era tanta a beleza que a esmagava que havia a certeza que um dia Beatriz se aperceberia que aquilo não era real. Quando pensava nisto, havia um formigueiro de luz que a mandava para o chão selvagem e, como num sonho, acordava. Voltava a casa, triste, sem uma palavra ou ruga que identificasse a pauta do seu peito. Aí, havia quem a distinguisse pelo jeito róseo e tímido, pelo medo sem explicação, pela quietude amorosa dela no fundo do quarto, deitada no chão gelado, sem saudades nem ambição.




Para sorte minha, guardo-a sempre a rir e a correr muito como uma lebre em tempo de caça, com amnésia de onde vive e onde pertence. A rir, e a preto e branco.






(Há gente que tenta com cara de esforço encontrar palavras para explicar uma coisa em processo de contagem regressiva. Há quem tenha esperança e não saiba o que fazer com ela. Há quem não durma. E ainda há os primeiros a ir; os que não querem, simplesmente, saber.)
Cláudia Alves

2 comentários:

Kamon disse...

Eu também andei com ela na escola... Boa homenagem a uma ilustradora infantil conceituada, não fazia ideia que a idolatravas.
Amo-te (sem ponto final)

Anónimo disse...

Há de chegar o dia em que eu não goste de um texto teu, porque também não foi hoje :P
A menina Potter ria, a preto e branco. E tu que rias com força e sinceridade, sempre, ao vivo e a cores, que é assim que se quer.
Gostei muito, as usual. ***