quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Gymnopédie Nº1, de Satie


Eu, as minhas sandálias vermelhas e o mundo nos pés. Eu, pequenina a sonhar ser grande (antes de eu grande, demasiado pequena). O trigo solarengo e as casas das árvores para onde, um dia, iria morar e desaparecer. Os retalhos de cores espalhados pela relva, pela terra, pelo céu, pelas minhas sandálias e pelos brilhos de purpurina na cara. As pernas, incansáveis nos caminhos que percorremos juntos, mais alegres e quentinhos com os teus beijos e mãos dadas, com a alegria da certeza do Para Sempre esculpido com mil cuidados na terceira árvore, a contar como quem vem do rio. Os abraços engavetados nos intervalos dos jogos da macaca e do Mamã dá Licença. Não queríamos crescer nunca, apesar de não o sabermos. Nunca usámos relógio.

Guardei uma folha de Outono durante vinte anos. Como se o Verão não voltasse nunca mais, como se me decidissem deixar crescer e a ti não, porque tu ficas para exemplo do mundo. Como se eu soubesse que a terceira árvore, a contar como quem vem do rio, seria a primeira a ser decepada e os retalhos de cores fossem roubados pelas andorinhas sem coração ou pele macia. Mas tu lá, sempre. Como se o mundo deixasse de estar nos meus pés e as sandálias vermelhas deixassem de me servir. Tu lá, sempre. Os (a)braços todos do mundo cortados e eu e tu, nunca mais juntos. Mas tu lá. O relógio continuou sem nós.

Mas hoje sei que ganhámos ao tempo, crescemos e fomos felizes. Hoje estou grande e feliz por te ver com braços ainda vivos e estendidos para mim. Com um sorriso que ilumina e enche de cor toda a mágoa que é crescer. Somos pequeninos outra vez, eu tenho sandálias mais crescidas. Vermelhas. Com os pés no mundo e o trigo solarengo, mais brilhante e quentinho com os nossos passos cúmplices, lado a lado, como numa música com final feliz.
Cláudia Alves

1 comentário:

Parteculta disse...

Está lindo, cum caralho! xD
Tenho saudades, menina das sandálias vermelhas :)***


Pedro